Rotina como parte da construção do EU

"Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã"
trecho "Cotidiano"


Estava em uma cafeteria (não vou dizer que é o Starbucks, porque né, não é jabá).

Atrás de mim tinham duas pessoas, e acabei entreouvindo a conversa delas:

Menina 1: Você devia provar o Mocca. É uma delícia.
Menina 2: Ah, não! Eu vou pedir o Cappucino.
Menina 1: Mas você sempre toma o cappucino! Devia provar outro.
Menina 2: Não, não quero.
Menina 1: Por que não?
Menina 2: Porque EU sempre tomo o Cappucino.

Inicialmente achei essa a conversa, e a resposta, mais nonsense do mundo. Para mim pareceu mais uma lógica circular que um argumento.

Contudo, depois de pensar um pouco, comecei a analisar o quanto nossas rotinas afetam e fazem parte de nossa construção se ser.

Em nossas vidas é muito comum criarmos rotinas e rituais. Elas inicialmente são formadas quase que por empirismo, ou seja, provém unicamente da experiência. Testamos varias versões de como fazer certas coisas, e acabamos por escolher aquela que melhor se adequa a nós.

De tanto fazer as coisas dessa determinada maneira, ela acaba se tornando parte da estrutura de nossas vida, tanto que estranhamos quando não realizamos aquela atividade, ou a fazemos de outra forma.

Sentimos que algo está faltando.

Isso porque, segundo psicólogos, ter padrões estabelecidos traz tranquilidade e confiança. Romper com os mesmos nos deixa ansiosos.

Acontece uma confusão. A estruturação de suas ações acaba por confundir-se com quem você é. De tanto realizar uma determinada atividade, ela passou a ser uma parte importante de como você se identifica.

Personalidade é o conjunto de características psicológicas que determinam os padrões de pensar, sentir e agir, ou seja, a individualidade pessoal e social de alguém.

Segundo Asendorpf, personalidade são as particularidades pessoais duradouras, não patológicas e relevantes para o comportamento de um indivíduo.

Por exemplo, eu decido começar a correr todo dia à noite. Inicialmente eu tenho que me convencer todo dia a fazer isso, contudo, com o tempo, vai se tornando parte da minha rotina. Eu começo a me identificar como corredor, faço amigos que também correm, pessoas começam a me presentear com coisas relacionadas à corrida.

Chega a um ponto que correr é uma parte intrínseca de como eu me identifico para o mundo. 

Ser corredor é parte da minha autoimagem, e correr todo dia contribui para minha autoestima.

A autoimagem, é uma tendência relativamente estável que a pessoa tem de se ver de uma determinada maneira, e a  autoestima é uma característica situação-específica, ou seja, ela varia de acordo com a situação. Você se sente melhor quando realiza ações que estão de acordo com sua autoimagem.

Preservar então a autoimagem, através de uma ação rotineira, contribui para uma boa autoestima.

Para a Menina na cafeteria, ela não estava apenas comprando um cappucino. Ela estava reafirmando parte de si mesma.